quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Trechos do livro 'A magia e a loucura'!

A bucólica cidadezinha de Los Olivosa, no condado de Santa Barbara, foi fundada há pouco mais de 100 anos. Se um visitante quiser ter uma noção da história do lugar, a Mattei’s Tavern, construída em 1886, é o local certo. Dentre os vários monumentos do passado, um havia servido de parada para as diligências. Ali, os passageiros pernoitavam durante a viagem, na época em que o único meio de transporte era o cavalo. Ela se tornou também um ponto de parada no percurso da estreita ferrovia Pacific Coast, construída na década de 1880, quando a viagem por terra ao longo do litoral alternava entre o difícil e o impossível. Em seu auge, a ferrovia chegou a ter mais de 120 quilômetros, partindo de onde ficava o então Harford Wharf em San Luis Bay, ao sul de Los Olivos. Hoje, o que existe lá é o Carriage Museum, que oferece um registro histórico visual da região. O antigo bebedouro de animais é atualmente um simpático local de refeições chamado Brothers Restaurant, na Mattei’s Tavern.

Há pouco tempo, um homem de aparência estranha adentrou o Museum com um menino, uma menina e uma criança de colo. Ele estava acompanhado por duas mulheres de idade — talvez babás — que cuidavam das crianças; uma delas aninhava nos braços o bebê que estava envolvido por uma manta. Também estava presente um assistente, ou secretário, que aparentava vinte e poucos anos. Com uma expressão de extrema atenção, como se estivesse em alerta máximo, vigiava o que havia em volta e o que os outros estavam fazendo.

O homem mais velho, usando máscara cirúrgica de seda roxa escura, chapéu de feltro com a copa vincada sobre o cabelo tingido de preto retinto, além de enormes óculos escuros, parou diante de um dos painéis fotográficos. 'Prince! Paris!', ele chamou. 'Venham cá. Vejam isto'. As crianças correram até onde ele estava. Ele apontou para o quadro com um dedo magro e branco como giz — na ponta do qual havia um curativo — e leu as descrições anexas com uma voz aguda que soava instrutiva. Durante a leitura, admoestou o menino para que prestasse mais atenção, enfatizando 'isto é importante'. O grupo foi passando de um quadro para outro, enquanto o homem mascarado lia as legendas em seqüência, insistindo para que as crianças ouvissem com atenção.

Depois da aula do dia, o pequeno grupo foi até o restaurante comer alguma coisa. Lá riram entre eles com suas próprias brincadeiras, parecendo alheios ao ambiente, ignorando a existência de qualquer pessoa que não pertencesse ao seu mundo em miniatura. O homem mascarado se alimentava levantando um pouco a faixa roxa, em vez de tirá-la. As pessoas do local tentavam ignorar a estranha situação. Porém, era difícil não ficar olhando, principalmente porque as crianças também estavam usando máscaras — embora não cirúrgicas... as delas lembravam mais as do Dia das Bruxas. Elas as tiraram para comer, e depois colocaram de volta, escondendo seus rostos outra vez.

No começo do século XX, uma nova e grande ferrovia foi construída 48 quilômetros mais perto da costa do Pacífico. Pelo fato de não ter passado por Los Olivos, a população da antes próspera cidade minguou. Contudo, nos últimos vinte anos, acabou sendo redescoberta graças ao afluxo de turistas. Atualmente, existem ali uma reserva indígena e um cassino, além de vários spas e centros de tratamento alternativo. Pequenas galerias de arte, lojas de antiguidades e de presentes, butiques e estabelecimentos vinícolas, todos de proprietários locais, prosperam em construções restauradas com arquitetura e decoração ao estilo do velho oeste.

Certa tarde, o homem mascarado visitou uma das galerias de arte. 'Veja, este aqui ficaria perfeito no quarto, não acha?', perguntou ao jovem assistente, erguendo uma pequena tela a óleo de dois anjos flutuando etereamente acima de uma criança adormecida. O assistente fez que sim com a cabeça. 'Olá-á', chamou o homem mascarado. 'Quanto custa este aqui?'. Ele e o dono da galeria conversaram em particular. Então o homem mascarado foi até o assistente e sussurrou em seu ouvido. 'OK, muito bem', disse por fim ao dono da loja. 'Vou levá-lo'.

O proprietário escreveu algo num pedaço de papel e o entregou ao homem mais jovem, que por sua vez sacou um maço de notas da carteira. Ele as contou para pagar pela aquisição.
'Não, espere! Isso é muito', disse o homem mascarado, que observava com atenção. 'Pensei que você havia dito cem dólares. Não cento e seis dólares e pouco'. Houve uma rápida e urgente conferência. 'O quê? Imposto? Sério? Em cima disso?'. Ele fez uma cara de quem estava pensando a sério. 'Está bem, então', concluiu. 'Obrigado, mesmo assim', e colocou o quadro de volta no lugar.

Mais negociações.

'É mesmo? Agora está bom. Cem dólares.'

O homem mascarado olhou para a pintura novamente. 'Meu Deus, é tão lindo, não é?', ele comentou, erguendo-a. 'O modo como essas crianças parecem tão... protegidas. É uma graça.' Enquanto ele e seu assistente saíam da galeria, o homem mascarado se virou e falou em voz alta para o proprietário: 'Eu só queria que você soubesse que é uma pessoa maravilhosa, e que eu lhe desejo toda a sorte do mundo com a sua loja! Voltarei em breve'.
Los Olivos abriga cerca de quinhentas fazendas de cavalo, casas em estilo vitoriano e mais ou menos vinte estabelecimentos comerciais. Mil pessoas, talvez menos, chamam esse remoto e sonolento local de lar (menos de uma dezena delas, negros), entre elas um habitante sui generis, o único na cidade que usa máscara: Michael Joseph Jackson.

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